segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Assassinato do Operário Leonardo Candú



No ano de 1935 Petrópolis viveu um dos períodos mais efervescentes de sua numerosa classe operária. A luta entre os trabalhadores vinculados à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e membros do Integralismo (doutrina política nos moldes do fascismo europeu) chegou ao ponto de provocar o assassinato de um operário da Companhia Dona Isabel por tiros e granadas disparados do interior da sede dos Integralistas durante uma gigantesca passeata que se fazia no dia 09 de junho.






Abaixo a Tribuna de Petrópolis de 11 de junho de 1935 noticia o fato:




Desde que foi annunciado para domingo ultimo o comício da Alliança Nacional Libertadora, que se começou a observar na cidade certa intranquilidade decorrente dos boletins que appareciam pela urbs, revelando grande tensão de animo entre aquella corrente de idéas e a que vehicula e propaga o credo integralista.
Como medida de precaução, esperava-se que o comício não se realizassse por determinação da polícia, e quando se realizasse, que esta estivesse apparelhada para evitar alteração da ordem e, principalmente, um choque entre as duas correntes adversas.
Infelizmente, embora os factos registrados na madrugada de domingo na avenida 15 de novembro muito concorressem para exaltar ainda mais os animos, o comicio se realizou com relativa calma, mas não foi possível evitar o choque entre os alliancistas e os integralistas.
Lamentamos profundamente as occorencias, que muito depõem contra os fôros de ordeira, de que sempre gozou, com justiça, esta terra, cuja população sempre deus os mais salutares exemplos de ordem, de affeita ao trabalho e de excelsitude em todos os seus actos.



O Primeiro conflito em que é ferido Matheus Hang



Na madrugada de domingo, deu-se na avenida 15 de Novembro, nas immediações da Casa Xavier, um encontro entre alguns membros da Alliança e do Integralismo, havendo sido disparos de tiros e saindo o joven Matheus Hang, integralista, ferido a facada no baixo ventre. O ferido é empregado do Restaurante (…) e se encontra recolhido no Hospital de Santa Thereza. O autor da facada foi o operário João Becker.



Outro conflito – outros feridos



Apos o comicio realizado domingo, na praça Dom Pedro II, houve uma passeata. E quando o grupo entrava na avenida João Pessoa , após algumas demonstrações, houve tiroteio, que durou alguns momentos, verificando-se depois terem ficado feridos: o operário da Fábrica de Tecidos Dona Isabel, Leonardo Candú, casado com d. Antonia Muller Candú, com quem tinha tres filhos: Elsa, de 5 annos, Geny, de 2 annos e Marlene, de 5 mezes; senhora Yvonne Scoralisch, filha do sr. Jacob Scoralisch, secretario de progaganda da Alliança Nacional Libertadora, e que apresentava ferimento na cabeça. Lourenço Lopes, ferido no pé direito; Luiza de Carvalho Rieger, com ferimento por estilhaço de granada na perna direita; Frederico Caetano da Costa, na região renal; Alvaro Barbosa e Raul Gomes feridos nas pernas; José Jorge em um braço; Juvenal Filho e Francisco Moura.
Houve outros feridos que dispensaram o socorro da assistência.



A morte do operário Candú



Ferido no frontal, o infeliz operario Leonardo Candú, recolhido ao Hospital Santa Thereza, apesar dos cuidados medicos, Candú veio a fallecer, quando era operado.
A noticia do fallecimento do laborioso maçaroqueiro veio tornar mais profundo o pezar que se fazia notar em virtude das lamentaveis occorrencias de domingo.



O enterro da víctima



Hontem, à tarde, effectuou-se, a expensas do Syndicato dos Operarios e Fabricas de Tecidos, o enterro de Leonardo Candú, cujo corpo saiu do Necroterio Municipal.
Milhares de trabalhadores foram despedir-se do seu infortunado companheiro e levar-lhe a suas derradeira homenagem. No momento de o forero descer à sepultura, ali falaram os srs. Arthur Barreiros, presidente local da Aliança Nacional Libertadora; Antonio Soares, pelo Syndicato dos Operarios; e prof. Lupierre.
Deram se, no Necroterio como no cemiterio velho, onde repouca aquelle que succumbice numa refrega inutil, dando o mais pesado tributo em defesa dos principios ideologicos que tambem professara, scenas commoventes, testemunhadas por toda aquella gente



A paralysação das fabricas e fechamento do commercio.



Em signal de pezar e de protesto pela morte de Leonardo Candú, assassinado por elementos integralistas, os trabalhadores da industria textil resolveram que as fabricas não deviam funccionar.
Desse modo, a cada fabrica se dirigiu, pela manhã de hontem, uma commissão de operarios, e após a mesma se entender com os respectivos gerentes, os trabalhadores deixaram os estabelecimentos, ficando paralysados os serviços.
A pedido tambem dos operarios, que em commissão percorreram todas as casas, o commercio cerrou as suas portas. Até os cafés o fizeram, só voltando à actividade depois das 19 horas.



O reforço do policiamento



Como era natural, tendo em vista que ao tiroteio, de tão graves consequencias, se seguiu maior exaltação de animos, tornando-se [possível] outros sangrentos encontros entre os adeptos das duas correntes, as autoridades cuidaram de reforçar o policiamento
De Nictheroy subiram, pela manhã e à noite, dois contingentes compostos de infantes e cavallerianos.
Felizmente, porém, nada mais de anormal occorreu que tornasse necessaria a intervenção policial Subiu tambem a Petrópolis o 1° delegado auxiliar do Estado, dr. Getulio Macedo, que, com o delegado regional dr. Toledo Piza, dirige o inquerito em torno dos acontecimentos.



Greve geral?



Hontem a' noite houve concorrido comicio da Alliança Libertadora na sua séde, a avenida Marechal Deodoro, tendo-o presidido o dr. Arthur Barreiros.
Nesse comicio, em que largamente se referiu aos successos de antehontem e à morte de Leonardo Candú, abordou-se tambem a questão da gréve geral. Fizeram-se ouvir diversos oradores, alguns de differentes classes que foram levar a sua solidariedade aos operarios de fabricas. Foram levantadas questões de ordem moral, economica e hygienica, respeitantes as fabricas.
Ficou definitivamente resolvido que os estabelecimentos fabris continuem paralysados. A gréve geral, abrangendo as demais classes, depende da duração do movimento.
A um “leader” trabalhista perguntamos se a gréve tinha relação com os graves factos que tanto alarmaram a família petropolitana. A informação que tivemos é que a gréve não passa de uma consequencia da irreductibilidade da firma proprietaria da Fabrica Aurora.
Momentos depois, um orador proclamava que os integralistas haviam lançado fogo ao estopim.



Para amparar a esposa e filhas de Candú



No comicio foi levantada a idéa de se fazer, entre os trabalhadores desta cidade, uma subscripção a favor da viuva e das filhinhas de Leonardo Candú.
A idéa mereceu geral acclamação, e ali mesmo se fez uma collecta, por intermedio de duas senhoritas operarias.
Por proposta do sr. Quinto Ferrari, o Syndicato dos Operarios, associando-se a esse bello movimento, que diz do espirito generoso dos nossos trabalhadores, concorrerá com a quantia de 100$ para a subscripção.
“Tribuna de Petropolis” receberá o obulo de todos quantos queiram concorrer para o auxilio da família do operario sacrificado, isso porque, não estando ligada a nenhuma das duas correntes que se guerream até fora do terreno doutrinario, lamenta acontecimentos como esse em que tombou um chefe de família, deixando por assim dizer ao desamparo, mais do que a mulher, tres filhas menores.









O fato é que após a morte de Candú prolongou-se a greve dentre as principais companhias têxteis até o dia 20 junho. Os padeiros e os ferroviários aderiram à fase inicial da greve. Todo esse movimento mostra como Petrópolis possuia em seu passado uma realidade proletária e entre os trabalhadores havia grande senso de combatividade.




segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Petrópolis capital do Estado do Rio de Janeiro



Petrópolis foi a capital do Estado do Rio de Janeiro de 1894 a 1902, período em que a então capital Niterói esteve sob os riscos da Revolta da Armada. A seguir estão duas reportagens da "Gazeta de Petrópolis" tratando da mudança provisória da capital para Petrópolis.






Gazeta de Petrópolis em 24 de janeiro de 1894




Ficou hontem definitivamente resolvida pela assembléa legislativa a mudança provisoria da capital do estado para esta cidade.
Tão rápida ocorreu a discussão, que não tivemos tempo de expender a nossa fraca [franca] opinião sobre o assumpto.
Estimamos, por um lado, que tal facto se tivesse dado, para que jamais se possa dizer que Petropolis pleiteou a honra de ser a séde do governo, solicitando adhesões ou mendigando votos.
Originada a idéa no seio da propria assembléa, mereceu logo o apoio unanime de todos os seus membros, que, comprehendendo perfeitamente a gravidade do momento presente, puzeram patrioticamente de parte naturaes sentimentos de bairrismo, e sem nenhuma pressão ou solicitação, consultando apenas as conveniencias publicas, fizeram a escolha que melhor lhes pareceu.
Aceita como está, pela propria constituição, a necessidade de transferir a capital de Nitheroy para outro ponto e provado, como ficou, pelos acontecimentos recentes, o grande perigo de estabelecer-se a séde do governo em uma cidade maritima, ao lado de uma grande capital, convinha escolher um local que, reunindo certas condições, de segurança, hygiene, bem estar e beleza, oferecesse, ao mesmo tempo, as vantagens de ser um ponto central do Estado e de não demandar grandes sacrifícios pecuniarios para poder servir aos fins.
Que outra localidade pode disputar á Petropolis esse conjuncto de predicados?
Nenhuma, seguramente.
A deliberação da assembléa foi, pois, um acto bem pensado e sua benefica influencia sobre os destinos da patria fluminense cedo se fará sentir com a maior segurança de sua autonomia, condição indispensavel para a verdade do regimem federativo que adoptámos.






um mês depois...



Petrópolis-capital : Gazeta de Petrópolis em 24 de fevereiro de 1894
Conforme já annunciámos, verificou-se no dia 20 do corrente, na secretaria do Interior, a intallação do governo do Estado nesta cidade. A cerimonia foi simples e desacompanhada dos festejos usuaes em taes ocasiões. Os tristes successos, que neste momento trazem enlutada a alma nacional, impediram que a cidade de vestisse de galas e désse demonstrações de regosijo de que se acha possuida por ter recebido a grande distincção de ser declarada oficialmente a capital do Estado.(...)
O estabelecimento de numerosas fabricas, facilitado pela existencia de grandes forças hydraulicas naturaes, uma forte corrende immigrantista, creada pelo funcionamento dessas oficinas de trabalho, a mudança de residencia para esta cidade de numerosas familias, attrahidas pela amenidade e salubridade do clima, pelo conforto e bem estar que aqui se encontra e pela beleza do local, já fizeram avultar tanto a população-fixa, creando uma vida propria á cidade, que esta já perdeu, ha muito tempo, as qualidades de uma pequena estação climática, um simples Luftkurost, na phase allemã.
E esse desenvolvimento não tendo a parar.
Petrópolis está fatalmente destinada pela natureza a ser um grande centro industrial e o mais importante refugio dos municípios insalubres que o cercam.






Por meio desta segunda reportagem, há uma relação interessante entre o crescimento industrial de Petrópolis (iniciado a partir de 1873) e sua escolha como capital do Estado do Rio de Janeiro. O crescimento demográfico e econômico de Petrópolis naquele tempo fazia com que sua imagem como cidade industrial ficasse sobreposta à imagem idílica de colônia alemã na serra.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Fundação da Casa de Santos Dumont

JORNAL DE PETRÓPOLIS. 18 DE MARÇO DE 1943Em Petrópolis, numa encantadora casinha de sua propriedade, sita á Rua Riachuelo, Alberto Santos Dumont, nosso genial patrício, de cuja obra todo o mundo se orgulha, viveu durante longo tempo e realizou grande parte dos estudos que o deveriam levar á glória do domínio do ar. Essa bucólica residência foi, pelo genial brasileiro, doada á Municipalidade e, de acordo com o desejo do doador, deveria ser néla instalada uma escola primária. Entretanto, como pela pequenez, a " Encantada"não se presta á instalação de um estabelecimento de ensino, resolveu o governo da Municipalidade adquirir um predio que faz fundo com o ninho da águia - como classificou Vicente Amorim a casinha de Santos Dumont - e nesse imóvel adquirido instalou a Escola Municipal a qual foi dado o nome de nosso imortal patricio. Quanto á "Encantada", nela será instalada a "Casa de Santos Dumont", pequeno museu de lembranças do genial brasileiro. Essa instalação se dará hoje, ás 10 horas, com a presença de altas autoridades, entre as quais os srs Dr Salgado Filho, ministro da Aéronautica, comandante Amaral Peixoto, interventor federal do Estado do Rio de Janeiro, Dr Marcio Alves, prefeito de Petrópolis e sr. Mário Chaves, secretário da Prefeitura, que instalarão, oficialmente esse arquivo de cousas e memórias da vida e da obra de Santos Dumont.
Usará a palavra, pela Associação dos Artistas Brasileiros, o dr. Raul Pedrosa, pelo PEN Clube o dr. Levi Carneiro, pela cidade o prefeito Marcio Alves e encerrando a cerimônia o ministro Salgado Filho.
A banda de música do 1° B. C., cedida pelo Cel Lamartine Paes Leme, abrilhantará a solenidade devendo executar o hino nacional por ocasião do hasteamento da bandeira pelo ministro Salgado Filho.

Família Real e Loucura Escrava; a festa da princesa e o desespero da cativa em Petrópolis no ano de 1875.

Introdução

Petrópolis, cidade fundada na Serra do Mar Fluminense em 1843 e conhecida por ter sido o refúgio de verão da família real durante o Segundo Reinado (1840-1889), possui uma história que em muito faz lembrar as paixões da elite que lá desfrutava bons momentos na fria serra coberta pela mata atlântica. A beleza do local, suas agradáveis temperaturas e seu ar aristocrático atraiam inúmeras personalidades que também queriam desfrutar dos ares da serrania do imperador e fugir das altas temperaturas mescladas por violentas epidemias na capital do império; a cidade do Rio de Janeiro.
Mas não era apenas a elite que ocupou e morou na cidade do Imperador Pedro no século XIX; havia um grande número de germânicos que foram empregados na construção e colonização da cidade, operários mineiros e italianos que foram contratados para trabalhar nas crescentes companhias têxteis a partir da década de 1870 e, também, escravos; não tantos como na região do Vale do Paraíba, onde se encontrava inúmeras fazendas de café, porém havia sim os escravos petropolitanos, fazendo com que fosse frequente os anúncios de venda de escravos nos jornais da época, bem como a existência de quilombos, como na região da Fazenda Inglesa, por exemplo.
E em meio à majestosa vida aristocrática petropolitana, analisaremos neste texto aspectos da vida de escravos em Petrópolis em 1875; usaremos o mais antigo jornal petropolitano como fonte, trata-se de "O Mercantil" e veremos que nem todos tinham uma doce vida na serrania imperial do século XIX.
 
Petrópolis, 1875.

No dia 20 de janeiro de 1875 Petrópolis se preparava para mais um evento que mobilizaria a família real; era a Exposição de horticultura que se realizaria no começo do mês de fevereiro. O evento teve como diretores o comendador Paulino Afonso Pereira Nunes e o capitão Augusto Rocha Fragoso. A festa deveria mostrar o potencial da produção agrícola das terras imperiais que desde sua ocupação tinham sido vistas como uma promissora colônia agrícola que supriria a cidade do Rio de Janeiro de verduras e legumes.
Enquanto se projetava a festa da agricultura, trabalhadores escravos eram anunciados à venda, como no jornal "O Mercantil", de 16 de janeiro de 1875. Naquele número, podemos encontrar em sua parte final o seguinte anúncio; "Escravo para vender: vende-se um escravo de meia idade, por preço razoável, para informações nesta typographia."
A então futura signatária da Lei Áurea tinha influência na organização da dita exposição agrícola que se faria em Petrópolis no despontar de fevereiro de 1875; pois foi a própria Princesa Isabel quem tivera a ideia de realizar o dito evento, levado a diante e desenvolvido pelos já mencionados Paulino Afonso Pereira Nunes e o capitão Augusto Rocha Fragoso.
O evento buscava ser solene e salientar toda a riqueza natural que o solo das terras imperiais; até mesmo fora de município houve a preocupação dos organizadores de arregimentar figuras ilustres que pudessem estar presentes na dita exposição e verificar o elevado grau de civilidade, europeísmo e qualidade dos produtos naturais que se verificavam na terra aonde repousava a família real.
Como o jornal "O Mercantil" anunciava a dita exposição e contribuía para que ela se tornasse popular em Petrópolis, (popular pelo menos entre a minoria letrada da população) um dos organizadores, o senhor Rocha Fragozo, resolveu escrever uma carta para a redação em tom de agradecimento pelo empenho do periódico e insiste para que o mesmo continue em seu propósito de fazer: "sentir aos nossos agricultores a conveniência de concorrerem com os seus produtos para enriquecerem a nossa exposição; demonstrando-lhes ao mesmo tempo, a utilidade destas festas industriaes a favor do progresso de Petrópolis e a exemplo dos países mais adiantados, que a tem adotado com muita vantagem. Espero, pois que V. aplique o impulso da alavanca civilizadora da imprensa para erguer entre nós o gosto e o costume das exposições industriaes..."
Neste trecho podemos perceber que a exposição era organizada com o produto dos agricultores de Petrópolis, que eram então convocados a levar o que havia de melhor de sua produção hortícola à dita exposição que então se projetava. Além disso, existe claramente a preocupação no discurso civilizatório tão comum no século XIX que buscava fazer do Brasil uma nação europeia em seus costumes para que então pudesse tirá-la do "atraso" em que vivia.
A exposição era vista como uma prática civilizatória e que mesmo sendo de produtos agrícolas, era associada às famosas exposições industriais de então, quando países se juntavam para fazer exposições de suas invenções e que seriam um retrato do grau de evolução em que tal nação se mostrava.
Na freguesia de Santa Rita, ocorria ao mesmo tempo em que os preparatórios da exposição, algo bem diferente, mas que também ganhou as páginas de "O Mercantil." Nas terras do senhor Nistaldo Gomes da Silva, havia uma escrava chamada Benedita e que morava ali havia pouco tempo, tinha sido comprada no final de 1874 de dona Francisca e estava como escrava do dito senhor fazia três meses. Certamente não foi anunciada na mídia tal como o cativo de meia idade citado acima e sim foi adquirida pelo novo senhor diretamente com dona Francisca, visto que a distância entre as dois propriedades era pouca e os dois senhores se conheciam.
O fato é que a escrava possuía filhos, quatro crianças pequenas. O primeiro dos filhos era um garoto de seis anos que não era beneficiado pela Lei do Ventre Livre que foi assinada em 1871, pois a lei foi feita quando o garoto já tinha um ano de vida e a lei só libertava os filhos de escravos nascidos a partir data da lei. Entretanto, todos os seus irmãos já eram livres; um menino de dois anos, uma menina de três e uma filhinha recém-nascida de apenas seis meses.
Era aquela uma família escrava petropolitana em 1875; mãe e primogênito cativos, três filhinhos livres da escravidão pela Lei do Ventre Livre e um pai desconhecido; talvez fosse um homem branco, livre, talvez outro escravo.
E naquela família escrava, no dia nove de janeiro de 1875, a Benedita toma um ato de fúria e indignação contra a vida. Tomou seu filho primogênito de seis anos no braço e tratou de atirá-lo dentro do poço a fim de afogar a criança; o garoto foi tombar em encontro à morte dentro do poço, quando que a falta de profundidade das águas e a destreza do pequeno fizeram com que sua vida não fosse ceifada pela queda e assim pudesse sobreviver ao atentado. Consta que foi buscar segurança na casa do senhor contra o ato materno. Seria por demais ousado fazer divagações aqui a respeito das verdadeiras intenções de Benedita com seu ato assassino; talvez estivesse louca ou poderia estar querendo libertar o filho da condição servil. Aliás, a segunda hipótese é bem plausível, visto que a resistência à escravidão envolvia várias modalidades de boicotá-la, até mesmo abortos por parte de escravas que se recusavam em dar à luz novos cativos aos seus senhores. Nesse ponto é razoável pensar no ato de Benedita.
Talvez seu senhor Nistaldo pensasse a mesma coisa; poderia ser uma reação dirigida contra o menino de futuro servil. Tanto assim o foi, que o garoto foi imediatamente retirado do contato com a mãe e ficou em companhia do senhor que resolveu protegê-lo. Os demais filhos de Benedita continuaram em seu poder, provavelmente o senhor não acreditava que ela seria capaz de repetir tamanho mal contra crianças tão pequenas e indefesas cujos futuros não eram marcados pela fatalidade da servidão.
Mas o prosseguimento das ações de Benedita mostra que o futuro como escravo não era o fator que a levava a querer matar seus filhos. O filho de dois anos e a pequena de três foram igualmente acometidos pelo ato de fúria materna e lançados no mesmo poço; para aquelas crianças tão pequenas a queda foi fatal e as águas do poço muito fundas para que pudessem se salvar; morreram.
Faltava ainda o menor de todos os filhos; a recém-nascida de seis meses. Benedita tomou a pequena nos braços e caminhou com o rebento por meia légua em direção às terras de sua antiga senhora, dona Francisca e no poço que por lá sabia aonde era, lançou sua bebezinha sem que houvesse a menor possibilidade dela sobreviver. A escrava assistiu a agonia e a morte da última de suas crianças antes de se projetar e se enforcar, pondo fim à sua própria existência.
Ao ser noticiada tamanha tragédia no "O Mercantil", o redator atesta que a única explicação para tamanho ato de crueldade de uma mãe contra seus filhos é a loucura. Certamente temos muito do que duvidar da sanidade mental daquela mulher que viveu há dois séculos antes de nós; assim mesmo, é possível perceber nessa loucura um ato de rebeldia e uma ação contra o cativeiro e à condição escrava, tomada de forma extrema numa fuga para um mundo sobrenatural ou ao menos fora do real.
E eis que conjuntamente à tragédia da escrava, no dia dois de fevereiro daquele ano, ocorreu a supracitada exposição agrícola de Petrópolis no jardim público da cidade, evidentemente com a presença da família real, com a figura carismática e presente do imperador dom Pedro II, que ao ouvir o discurso de início do evento levantou-se e exclamou: "É sempre com o maior júbilo que eu me associo às festas do trabalho" .
BIBLIOGRAFIA
AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrópolis (uma história territorial) Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2008
CUSATIS. José. Os Italianos em Petrópolis. Petrópolis. Edição da Câmara Municipal. 1993
LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. IBGE, setores da evolução fluminense. Rio de Janeiro. 1950
MARTINS, Ismênia de Lima. Subsídios para a História da Industrialização em Petrópolis. Petrópolis. Universidade Católica de Petrópolis. 1978
RABAÇO, J. H. História de Petrópolis. IHP. Petrópolis. 1965
VASCONCELOS, Francisco de. Petrópolis do Embrião ao Aborto Petrópolis: ParkGraf editora. 2007
FONTES PRIMÁRIAS
O Mercantil. Petrópolis. 23 de janeiro a 06 de fevereiro de 1875.